terça-feira, 22 de abril de 2014

O Silêncio e a Fúria (ou "da experiência de um anônimo perante o Cristo")


"Que dizes Tu?"

Diante daquela afronta à Lei, o apedrejamento era pouco para aquela mulher. Eu, respeitador dos bons costumes, homem temente a Deus, não poderia me calar: juntei-me à pequena multidão que desejava fosse feita justiça.

Não sei ao certo por qual razão, os sacerdotes resolveram levá-la, antes, à presença de um galileu a quem diziam profeta. Alguns o tinham pelo Messias. Imagine só, o “Messias”, vindo da Galileia! Acaso existe algo além de poeira e pobreza naquela terra esquecida por Javé?

Ao chegar aonde o tal profeta se encontrava, vi-o tracejando algo na areia; decerto alguma profecia antiga e obscura, cujos detalhes ele temia esquecer antes de ser desmascarado pelos doutores da lei.

Gritei, incitado pelos sacerdotes, palavras de repúdio à adúltera. O galileu continuou seus rabiscos no chão. Senti-me afrontado e ainda mais furioso com seu silêncio.

Eis que bradaram que a Lei de Moisés mandava apedrejá-la. “E tu, o que dizes?”, indagaram-lhe. Agora não havia saída também para ele: se contestasse a Torá poderíamos apedrejá-lo, por blasfêmia.

Ao se levantar, porém, os olhos do galileu de relance encontraram os meus. Não lembro ao certo suas palavras, nem quanto tempo durou sua lição, mas ouvi o som de pedras sendo soltas ao chão, e senti a fúria da turba se dissipar como se levada por uma brisa suave do Tiberíades. 

Enquanto me afastava, virei-me uma vez mais e o vi conversando com a mulher.

Não sei o que o galileu lhe dizia. Gostaria de saber. Mas segui meu caminho, pedindo a Javé que me inspirasse a não pecar mais.

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